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Marquês de Tamandaré, o Velho Marinheiro

Por Anapuena Havena



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Hoje, 13 de dezembro, o calendário nos lembra o Dia do Marinheiro, data escolhida por ser o dia em que também lembramos o nascimento de Tamandaré.


Datas oficiais carregam o risco de nos fazer esquecer o lado humano dos heróis, transformando homens em bustos de bronze. Como costumo dizer: é preciso conhecer a alma por trás de toda história.


E é exatamente por isso que não me limitarei a apresentar o Almirante Tamandaré apenas como Patrono da Marinha, pois definir um homem por sua patente ou pelo cargo que ocupou é simplório e até injusto.


Afinal, quem foi Joaquim Marques Lisboa, o Marquês de Tamandaré?


Se a história do Brasil pudesse ser lida como um romance, Tamandaré seria aquele personagem que atravessa os capítulos decisivos do século XIX sem nunca sair de cena. Estaria ali, sempre presente, sempre firme.


Nascido em 1807, tinha apenas 15 anos quando se apresentou como voluntário na Guerra da Independência.


Imagine um jovem no convés da fragata Niterói, cruzando o Atlântico para perseguir a frota portuguesa até a foz do Tejo. E esse seria apenas o início de uma grande carreira militar.


Tamandaré participou de conflitos importantes que aconteceram no período imperial e se tornou um verdadeiro símbolo e inspiração.


Há um episódio bastante interessante na vida de Tamandaré:

Em 24 de agosto de 1848, ao largo de Liverpool, o navio Ocean Monarch, que levava 396 imigrantes com destino a Boston, pegou fogo. O cenário foi de pânico absoluto. Tamandaré, que estava no comando da fragata Dom Afonso, observou, à distância, o incêndio que tomava o navio. Imediatamente, lançou-se pessoalmente à operação de resgate, enfrentando o fogo e o mar revolto. A imprensa britânica da época descreveu a cena como aterradora. Centenas de pessoas foram salvas; notícias da época afirmam que mais de 200 pessoas foram resgatadas graças à ação conduzida pelo comandante brasileiro.


Rescue of passengers of the Ocean Monarch by the Brazilian Frigate Alfonzo. Pintura óleo sobre tela de Samuel Walters, 1850.
Rescue of passengers of the Ocean Monarch by the Brazilian Frigate Alfonzo. Pintura óleo sobre tela de Samuel Walters, 1850.


A seguir, apresento a tradução de um trecho da notícia publicada no The Times (Londres), edição de 26 de agosto de 1848:


“A fragata brasileira era comandada pelo Sr. Marques Lisboa. Estavam também a bordo o Príncipe de Joinville, sua esposa e comitiva, o Duque e a Duquesa d’Aumale, o Ministro do Brasil, o Cavaleiro de Lisboa, o Almirante Grenfell e suas filhas, além de outras personalidades distintas.


Quando a Affonso avistou o Ocean Monarch, não perdeu tempo em rumar imediatamente até ele, e pretendia-se ancorar diretamente sob a sua proa; porém, o vento mudou ligeiramente e impediu que isso fosse realizado.


Quatro barcos foram, contudo, imediatamente arriados, logo seguidos pelo grande bote da caixa de rodas. O Sr. Marques de Lisboa saltou em um deles, e o Almirante Grenfell em outro, e ambos foram incansáveis em seus esforços para salvar os pobres infelizes. O Príncipe de Joinville retirou o casaco e foi particularmente diligente em auxiliar os passageiros a bordo da fragata.”


Após o resgate, uma vultosa recompensa em dinheiro foi oferecida ao comandante brasileiro, em sinal de agradecimento. Mas ele recusou. Para Joaquim Marques Lisboa, a vida humana não tinha preço; havia apenas cumprido o dever que a circunstância lhe impunha. O governo britânico compreendeu o gesto. Em vez de dinheiro, enviou-lhe um cronômetro de ouro, com uma inscrição de reconhecimento. Ele aceitou a honra simbólica.


Há ainda um detalhe menos conhecido ligado ao nome que o Almirante carregaria na história. O título “Tamandaré” não foi escolhido ao acaso. Anos antes, em 1824, seu irmão mais velho, Manuel Marques Lisboa, morrera lutando contra o Império na Confederação do Equador, justamente na praia de Tamandaré, em Pernambuco. E quando D. Pedro II concedeu-lhe o primeiro título (Barão de Tamandaré), transformou o lugar da dor em sinal de honra. O ponto onde um irmão tombara como rebelde passou a nomear o irmão que se tornaria um dos mais leais súditos do Imperador.


Essa lealdade acompanhou o Almirante até o fim. Na ocasião do golpe da Proclamação da República, Tamandaré pediu permissão para organizar uma reação contra o golpe, mas recebeu uma resposta negativa do Imperador. Ele, então, permaneceu ao lado de D. Pedro II até sua partida para o exílio e, dois meses depois, recolheu-se e solicitou a sua reforma.


Marquês de Tamandaré faleceu em março de 1897, aos quase 90 anos, e deixou claro em testamento que não queria honras militares em seu velório. Afinal, se o Brasil não prestara as devidas honras fúnebres ao Imperador Dom Pedro II, ele, um simples súdito, também não as aceitaria.


O Almirante teve seu desejo atendido. O Jornal do Comércio do dia 21 de março de 1897 descreve bem a simplicidade do velório.


Na obra Tamandaré, o Nelson Brasileiro, o autor Gustavo Barroso diz que nenhuma autoridade (Presidente da República, os ministros da Guerra e da Marinha, Ajudante General do Exército e o Chefe do Estado Maior da Armada ) compareceu ao velório do Almirante.


Embora o Marquês de Tamandaré não tenha recebido a devida consideração das autoridades republicanas por todos os seus imensos feitos pelo Brasil, recebeu do povo todo o reconhecimento, que, em sinal de respeito, encheu as ruas por onde passava o coche fúnebre.


Neste 13 de dezembro, a ABHL não celebra apenas o Dia do Marinheiro, mas presta continência à memória de um homem que serviu à sua nação com honra e caráter. Estudar a biografia de Tamandaré é perceber que a verdadeira nobreza não vem da posição que se ocupa, da patente ou do ouro que se ganha, mas do caráter que demonstra nas ações praticadas e do que se deixa como legado.



Deixo aqui a transcrição do Testamento do Marquês de Tamandaré:


“Não havendo a Nação Brasileira prestado honras fúnebres de espécie alguma por ocasião do falecimento do imperador, o senhor D. Pedro II, o mais distinto filho desta terra, tanto por sua moralidade, alta posição, virtudes, ilustração, como pela dedicação no constante empenho ao serviço da Pátria durante 50 anos que presidiu a direção do Estado, creio que a nenhum homem de seu tempo se poderá prestar honras de tal natureza, sem que se repute ser isso um sarcasmo cuspido sobre os restos mortais de tal indivíduo pelo pouco valor dele em relação ao elevadíssimo merecimento do grande imperador.


Não quero, pois, que por minha morte me prestem honras militares, tanto em casa como em acompanhamento para sepultura.


Exijo que meu corpo seja vestido somente com camisa, ceroula e coberto com um lençol, metido em caixão forrado de baeta, tendo uma cruz na mesma fazenda, branca, e sobre ela colocada a âncora verde que me ofereceu a Escola Naval em 13 de dezembro de 1892, devendo colocar no lugar que faz cruz a haste e o cepo, um coração imitando o de Jesus, para que assim ornado signifique que a âncora cruz, o emblema da fé, esperança e caridade que procurei conservar sempre como timbre dos meus sentimentos. Sobre o caixão não desejo que se coloque coroas, flores nem enfeites de qualquer espécie, e só a Comenda do Cruzeiro que ornava o peito do Sr. D. Pedro II em Uruguaiana, quando compareceu como o primeiro dos Voluntários da Pátria para libertar aquela possessão brasileira do jugo dos paraguaios, que a aviltavam com a sua pressão; e como tributo de gratidão e benevolência com que sempre me honrou e da lealdade que constantemente a S. M. I. tributei, desejo que essa Comenda Relíquia esteja sobre meu corpo até que baixe a sepultura, devendo ficar depois pertencente a minha filha D. M. E. L. (Dona Maria Eufrásia Marques Lisboa) como memória d’Ele e lembrança minha.


Exijo que não se façam anúncios nem convites para o enterro de meus restos mortais, que desejo sejam conduzidos de casa ao carro e deste à cova por meus irmãos em Jesus Cristo que hajam obtido o foro de cidadãos pela lei de 13 de maio.


Isto prescrevo como prova de consideração a esta classe de cidadãos em reparação à falta de atenção que com eles se teve pelo que sofreram durante o estado de escravidão, e reverente homenagem à Grande Isabel Redentora, benemérita da Pátria e da Humanidade, que se imortalizou libertando-os.


Exijo mais que meu corpo seja conduzido em carrocinha de última classe, enterrado em sepultura rasa até poder ser exumado, e meus ossos colocados com os de meus pais, irmãos e parentes, no jazigo da Família Marques Lisboa.


Como homenagem à Marinha, minha dileta carreira, em que tive a fortuna de servir à minha Pátria e prestar algum serviço à humanidade, peço que sobre a pedra que cobrir minha sepultura se escreva:


‘Aqui jaz o Velho Marinheiro’.”




Referências


  1. BARROSO, Gustavo. Tamandaré, o Nelson Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1933.


  1. The Times, Londres, edição de 26 de agosto de 1848.


  1. Marinha do Brasil – Testamento do Marquês de Tamandaré. Disponível em:




Anapuena Havena Castro S.S. Chaves

Historiadora | Especialista em História do Brasil




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