Conversas Silenciosas
- Anapuena Havena
- há 6 dias
- 3 min de leitura
Por Anapuena Havena

Dizem que a vida intelectual é um processo solitário, e disso discordo completamente.
Ontem mesmo, enquanto me preparava para a produção de um artigo, tive a imensa alegria de desfrutar da companhia de Pedro Calmon, Heitor Lyra e do Barão do Rio Branco.
Foi uma conversa muito interessante com esses grandes nomes da História do Brasil, e cada um deles, à sua maneira, apresentou suas considerações sobre o tema que eu estava estudando. Escutei-os atentamente, lancei meus questionamentos e minhas dúvidas foram esclarecidas.
Embora essa reunião esteja acontecendo com certa frequência, nossas conversas estão se tornando cada vez mais profundas, de modo que eu passaria horas na companhia deles, sem perder a empolgação.
Mas o alarme me lembrou dos compromissos do dia seguinte e, mesmo a contragosto, tive de me despedir.
Deixei a mesa do escritório e me sentei sossegadamente no sofá da sala, sem vislumbrar mais nenhuma programação para a noite, pois precisava descansar.
Foi então que avistei Machado de Assis, bem diante de mim.
Confesso que eu não esperava encontrá-lo àquela hora. E embora estivesse cansada, não poderia simplesmente mandá-lo embora; não seria de bom tom da minha parte.
Sem conseguir me desvencilhar da visita inesperada, prometi a mim mesma que seria uma conversa rápida — um capítulo, e nada mais.
Já estava prestes a me despedir quando Machado disse algo que me chamou profundamente a atenção:
“O tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo.”
Comecei a refletir sobre o sentido daquelas palavras…
“Em que se pode bordar tudo…” — pensei alto.
Mas o que será que vale a pena bordar?
Tenho de ter cuidado, pois não posso correr o risco de estragar o tecido. Se eu bordar errado, posso me arrepender e ter de desfazer todo o trabalho, e isso seria tempo perdido.
Então me lembrei do que meu pai repete como um lema:
“Tempo é vida.”
E, sendo a vida tão valiosa, não devemos desperdiçá-la com banalidades — concluí.
Concordo plenamente com esse pensamento. E faço ainda um complemento: tempo é vida e corre rápido demais. Temos de aproveitar, com sabedoria, o tempo que nos é reservado.
Talvez seja por isso que nunca fui afeita a conversas sem sentido e escolho cuidadosamente o conteúdo que consumo, pois tudo nos influencia de algum modo: as conversas despretensiosas, os livros que lemos, os filmes que assistimos e até mesmo aqueles vídeos rápidos que pensamos não ter impacto algum em nossa vida.
Nosso cérebro absorve tudo, tentando processar os inúmeros estímulos que recebemos desse mundo barulhento.
O som do relógio alertava que estava tarde demais para tais reflexões. Era hora de dormir.
Tomei coragem e me despedi de Machado. Mas, para meu consolo, prometi uma nova conversa no dia seguinte, naquele mesmo lugar, acompanhada de uma boa xícara de café.
Há pessoas que admiramos mesmo sem nunca termos tido a oportunidade de conhecê-las pessoalmente. Elas, inclusive, podem pertencer a outra época, mas compartilham seus conhecimentos conosco pelas obras que deixaram e, assim, conhecemos seus pensamentos, despertando em nós um sentimento de amizade verdadeira.
E que sorte podermos desfrutar da companhia daqueles que se imortalizaram através de suas excelentes obras! Que privilégio podermos aprender com essas mentes brilhantes e fazer delas nossas tutoras!
Fechei o livro Esaú e Jacó, de Machado de Assis, e segui para o meu quarto para uma noite de descanso, satisfeita com o aprendizado adquirido durante o dia, e já pensando nas boas conversas do dia seguinte.
Anapuena Havena
Membro Fundadora da Academia Brasileira de História e Literatura
Titular da Cadeira nº 1 – Patrona Dona Leopoldina




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